segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O Ciclo das sombras - Cap. 3/ pt. 3

Olá Queridos Leitores,

Hoje é dia de postar mais um pouco do Ciclo das Sombras para vocês.
Espero que gostem :)

Cap. 3/ pt. 3

       Assim que se despediu dos colegas, no final do expediente, saiu praticamente correndo da empresa em direção a um ponto de táxi próximo. Forneceu o endereço ao motorista e lhe pediu que fosse rápido, pois estava atrasada para um importante compromisso.
         “Mais uma mentira em minha coleção” — pensou tristemente.
        Quando o táxi a deixou no endereço solicitado e desapareceu mais adiante na curva, Kimberly imediatamente pegou as chaves na bolsa e tratou de entrar o mais rápido que podia na casa.
         Abriu o portão de ferro com mais facilidade desta vez e, com o coração aos saltos, encaminhou-se para a porta de entrada na qual abriu após girar a chave uma só vez.
            A sala estava às escuras e ela caminhou até o interruptor para acender a luz. Após o “clic”, ela ouviu a voz grave atrás dela.
            — Gute Abend, meine Prinzessin. Wie geht es Ihnen heute (boa noite, minha princesa. Como está hoje?)
            Desta vez, Kimberly não se assustou, nem saiu correndo. De alguma forma, ela já esperava por isso. Era óbvio. Era por isso que ela fora até a casa, para falar com o “homem misterioso”.
            Lentamente, ela se virou e seus olhos castanhos encontraram-se com os olhos verdes azulados dele.
            — Infelizmente, eu não falo alemão — conseguiu dizer antes que sua respiração começasse a ficar irregular. Ele era lindo demais e ela não conseguia permanecer normal diante dele.
             — Entschuldigung, meine Liebe. (Desculpe, minha querida) — respondeu e, após alguns segundos, ele continuou a falar mais devagar, mas em português. O sotaque dele era tão forte que, mesmo ele falando no mesmo idioma dela, Kimberly ainda tinha certa dificuldade em entender o que ele queria dizer. — Vou tentar de novo — disse sorrindo de um jeito que fez com ela suspirasse. — Eu pedi desculpas à você. Não queria assustá-la.
            Kimberly estreitou os olhos e respondeu enquanto cruzava os braços:
            — Você é bem estranho. Consegue aparecer de lugares do qual a gente menos espera.
            Em seguida, ela se afastou dele e foi até um sofá, onde largou a bolsa, a pasta e as chaves da casa.
            — Bem, vim aqui porque preciso de algumas explicações. Como conseguiu me deixar em casa? Como sabia meu endereço e como é que eu pude sonhar com você sem nunca tê-lo visto antes?
            Ele cruzou os braços, encostou-se na parede e respondeu com o fortíssimo sotaque alemão:
            — Ich (eu)...  — parou porque se deu conta que novamente estava falando em alemão — eu vasculhei em suas coisas e encontrei o endereço. As chaves do apartamento estavam na bolsa, war nicht schwer (não foi difícil).
            A resposta não a convenceu de forma alguma, mas ela também não se sentia disposta a questionar mais. As coisas estavam indo para uma direção muito esquisita e Kimberly não estava gostando nada daquilo.
            — Olha, — começou sem jeito — eu voltei aqui porque queria dizer que amanhã vou entregar as chaves da casa à imobiliária e que vou deixar de vir aqui. Esta situação está ficando fora de controle e eu não estou sabendo como resolvê-la, eu... — não conseguiu terminar a frase. Ele havia se afastado da parede e caminhava lentamente em sua direção.
            “Esse homem não existe” — pensou ela começando a ofegar novamente — “não é real e eu estou aqui, de novo, provavelmente tendo mais um de meus sonhos malucos”.
            — Com relação a isso — disse ele calmamente — não há problema, porque eu tenho uma cópia das chaves da minha casa. — Disse reforçando a palavra “minha”. — Você pode entregá-las para o gerente da imobiliária e usar estas. — Estendeu a mão com um chaveiro. — Aliás, você disse que vai entregá-las amanhã, nicht wahr (não é)?
            Kimberly não compreendeu a última palavra, mas deduziu que ele estava confirmando o que dissera antes.
            — Sim, eu vou entregar as chaves amanhã bem cedo e não vou voltar mais aqui — falou enquanto contornava o sofá e dava alguns passos para trás para evitar a aproximação dele.
            — Mesmo se eu der as minhas chaves para você? — Questionou ele, de repente, muito próximo dela. Como ele conseguira isso sem que ela notasse?
            — Eu, hã... — gaguejava sem saber o que dizer — não posso, esta casa está para vender... você não... você não pode dar as chaves para mim — disse tentando ordenar o raciocínio. — Imagino que nem você deveria estar aqui! A casa está para vender! — Terminou enquanto tentava se afastar dele.
            Ele sorriu de forma misteriosa, como fizera nos sonhos dela e respondeu:
            — Stimmt (verdade). Mas estou pensando seriamente em abandonar a ideia de me mudar daqui e vender a casa.
            Kimberly tinha acabado de encostar as costas na parede do outro lado da sala. Não havia mais saída.
            — Bem, independente disso, eu vou devolver as chaves e não vou voltar mais aqui. As coisas estão ficando fora de controle. — Disse tentando sair pelo lado esquerdo, pois ele estava bloqueando sua passagem.
            — Ausser Kontrolle (fora de controle)? — Ele questionou divertido. — Não há nada fora de controle por aqui. Você não tinha um grande desejo de ver como era a casa por dentro? — Questionou parando de caminhar. — Não era você que, toda a vez que passava de ônibus em frente à minha casa, se torcia toda para olhar até o último momento? Agora que você conseguiu o acesso a ela, não quer mais voltar aqui? Ich kann das nicht verstehen... (eu não consigo entender).
            Kimberly abriu a boca para revidar, mas não conseguiu. Ele estava certo. Ela fizera de tudo para se aproximar e saber mais sobre a moradia e agora que obtivera acesso e conseguira falar com o proprietário, não queria dar continuidade à situação. Fechou a boca e ficou quieta, não sabia o que dizer a ele.
            Ele baixou a mão que segurava o chaveiro e falou enquanto voltava a caminhar na direção oposta a ela. Quando estava distante parou para perguntar:
            — Isto é um presente para você. Tem certeza de que não vai querer ficar com as chaves? Depois você não vai mais poder entrar aqui... ─ disse enquanto erguia o chaveiro em direção a ela.
            Kimberly permaneceu parada. Seus olhos iam do chaveiro que ele segurava aos olhos brilhantes dele.
            “Gato” — pensou Kimberly de repente — “os olhos dele parecem olhos de gato.”
            No momento seguinte, ele baixou novamente a mão que segurava o chaveiro e disse com um tom triste na voz.
            — Wie traurig... (que triste...) Sendo assim, guardarei as chaves e as levarei comigo quando eu me mudar. Creio que não há mesmo motivo nenhum para eu permanecer por aqui então, ainda mais agora que há uma pessoa muito interessada em comprar a casa. — Suspirou e concluiu. — Hier hält mich nichts mehr (não há nada que me prenda aqui).
            Ele ia se virar para sair da sala quando Kimberly falou.
            — Espere! — Seu coração estava aos saltos, não conseguia entender o que estava fazendo. Provavelmente, estava no “piloto automático” e estava tomando esta atitude por impulso. “Bem,” — pensou consigo mesma, enquanto o observava parar para ouvir o que ela tinha a dizer — “se eu estiver agindo por impulso, que seja. Não corri tanto até aqui para simplesmente desistir no meio do caminho.” — Espere! — Disse novamente, agora mais calma. — Eu agradeço o presente — referiu-se ao chaveiro. — Seria uma grosseria não aceitá-lo — concluiu estendendo a mão na direção dele.
            Ele apertou mais a mão em torno do chaveiro e lançou a Kimberly um sorriso enigmático, que transmitiu a ela algo como se ele estivesse lhe dizendo: “Viu? Eu sabia que você não iria embora, não agora.”
            Depois que falou, Kimberly juntou as mãos em frente ao corpo e ficou imóvel, esperando pela reação dele. Como ele continuou parado, ela aproveitou para fechar os olhos e respirar fundo, precisava se acalmar. Seu coração batia tão depressa que ela temia ficar tonta e perder o equilíbrio a qualquer momento.
            Quando abriu os olhos, ele estava muito próximo dela.
            “Como ele se movimentou sem fazer um único ruído?” — Pensou arregalando os olhos de surpresa.
            Por instinto, ela tentou dar um passo atrás para se afastar, mas não podia, porque já estava encostada na parede. Ele sorriu, segurou o braço dela com a mão livre e disse:
            — Não há motivos para fugir. Eu não vou morder você — disse a última frase de um jeito tão estanho que Kimberly se encolheu de medo. Ela não sabia como, mas havia pressentido que ele quisera dizer algo mais naquela simples frase.
            — Bem... — disse com o tom de voz quase inaudível — imagino que não vá mesmo...
            Ele sorriu enigmaticamente e desceu a mão pelo braço dela, que se encolheu instintivamente de frio. A mão dele era muito gelada. Em seguida, ele segurou a mão dela e lhe passou o chaveiro.
            — Pronto, agora que você tem as chaves da minha casa, pode me visitar todos os dias, richtig (certo)?
            “Além de misterioso, ele é persuasivo também” — pensou Kimberly seriamente.
            Assim que ele entregou o chaveiro, afastou-se dela e comentou enquanto sentava-se no sofá:
            — E então?
            — Então — questionou sem entender ao que ele estava se referindo.
            — Não vai me explicar o motivo de tanto interesse nesta casa velha?
            — Eu... hã... eu é... — gaguejava como uma adolescente boba. Nunca tivera problemas em falar com as pessoas e agora, parecia não ter palavras em seu vocabulário para conversar com ele.
            — Ja, ich hoffe...  (sim, eu espero).
            “Como eu odeio quando faço isso” — pensou tentando se controlar. Já percebera que ficava sem ação toda a vez que estava na presença dele. Fosse em sonho, fosse na realidade.
            Deu um passo à frente para ir até o sofá e sentiu uma tontura tão forte que teria ido ao chão se não fosse ele a segurar. Imediatamente, todo o torpor que Kimberly estava sentindo sumiu e ela começou a falar em um misto de raiva e indignação, por não poder controlar as coisas esquisitas que aconteciam ao seu redor.
            — Chega! — Falou alto demais. — Isso já passou dos limites! — Disse enquanto desvencilhava-se dos braços dele. — Você é mágico ou algo do gênero. Estava sentado no sofá, eu vi! E não havia tempo suficiente para chegar até onde eu estava e evitar que eu caísse! — Ela não falava mais, gritava.
            Ele não respondeu nada, apenas se afastou um pouco e ficou a observando expor seus sentimentos.
            — Não consigo entender isso! — Dizia enquanto caminhava pela sala e ele a acompanhava com o olhar. — Logicamente isso não existe! Você surge do nada e se movimenta rápido demais para uma pessoa normal! Sem falar que não explicou o fato de ter me levado em casa sem saber onde eu morava, porque eu não tenho o meu endereço em nenhum lugar na minha bolsa! E o simples detalhe de você ter surgido em meus sonhos sem eu tê-lo visto uma única vez em minha vida!
            Ele permanecia em silêncio, observando Kimberly falar sobre o seu descontentamento da situação.
            Quando ela se calou, ficou olhando para ele na esperança de que fosse receber alguma resposta, mas ele continuou quieto, o que fez com que ela ficasse ainda mais irritada.
            — É incrível, — ela disse começando a caminhar de um lado para o outro — eu fico aqui, como uma boba, falando e falando e você não diz uma palavra. Se mete em minha vida, bagunça minha rotina — enquanto falava, Kimberly ergueu os braços e prendeu os longos cabelos em um coque, fazendo um nó com eles. No mesmo momento que ela fez isso, Ulrich rapidamente recuou alguns passos como se houvesse algo nela que o colocasse em estado de alerta. Imediatamente, ele ficou imóvel.
            Ela não percebeu a mudança dele e continuou falando enquanto andava pela sala.
            — Invade a minha privacidade, povoa meus sonhos e faz com que tudo o que eu sempre acreditei comece a ruir diante de mim. Quem, afinal de contas, é você! — Terminou com a respiração acelerada.
            Ele não se moveu um milímetro sequer. Permaneceu imóvel como uma estátua de mármore olhando para ela.
            Kimberly parou de caminhar e disse para ele enquanto cruzava os braços:
            — Você realmente é muito estranho. Ou fica se mexendo rápido demais e surgindo de onde se menos espera ou fica aí, imóvel feito uma estátua, sem dar sinal de vida. O que há com você, por que não responde? — Questionou enquanto inclinava a cabeça levemente para o lado esquerdo.
            Agora que ela estava parada, observando-o, é que pode ver melhor. Ele não estava simplesmente imóvel como uma estátua, ele havia assumido uma postura de alerta e de algo mais. Kimberly tinha certeza de ter visto esta postura em algum lugar, em algum momento, mas não estava conseguindo lembrar onde fora que a vira antes.
            A fração de segundo que transcorreu até Kimberly resgatar na memória onde havia visto o comportamento foi rápida demais e, quando ela se deu conta, estava deitada no sofá e ele estava sobre ela, olhando-a muito sério. Como ela fora parar no sofá, não tinha a menor ideia, mas sabia agora de onde reconhecera a pose dele. Fora a algumas noites atrás, enquanto tentava encontrar na televisão algum programa que prestasse que viu a cena.  Viu um programa sobre o reino animal, que versava sobre pumas e como eles agiam quando estavam prestes a atacar suas presas. A imagem do puma alerta, atento e imóvel, calculando qual a forma mais rápida e certeira de agarrar a presa encaixou-se perfeitamente com a posição assumida por ele. Imediatamente o pavor tomou conta de Kimberly e ela desejou nunca ter posto os pés naquela casa. Queria desesperadamente sair dali a qualquer custo.
            Ele ainda continuava sobre ela. Não havia mais aquele semblante amistoso em seu rosto. Ele estava sério demais, seus olhos estavam mais escuros e pareciam inexpressivos, como se olhassem através dela.
            A casa estava tão silenciosa que Kimberly conseguiu ouvir as batidas do próprio coração. Cada vez que ele bombeava o sangue pelo seu corpo, Kimberly podia sentir as batidas em seu ouvido como se, naquele momento, o coração dela fosse um tambor de uma banda escolar.   Fechou os olhos por alguns segundos para tentar se acalmar e buscar, quem sabe, uma lógica para tudo o que estava acontecendo. Quando abriu os olhos, a situação não melhorou muito, porque ele continuava ali, parado sobre ela, olhando-a fixamente e, seus olhos que antes eram de um verde azulado brilhante, agora estavam escuros, pretos como azeviche. De repente, os olhos dele tornaram-se mais claros, mas não voltaram à cor maravilhosa e brilhante de antes e ele disse com uma voz que Kimberly não reconheceu. Parecia outra pessoa falando, não ele.
            — Ah... se você soubesse o que causa... com certeza não teria feito isso — disse com pesar na voz. Olhou nos olhos castanhos dela e pôde ver o medo e o pavor que ela sentia. De forma alguma queria assustá-la, mas não havia como evitar, estava em sua natureza.
Devagar, para que ela não ficasse ainda mais assustada, ele passou a mão pelo rosto dela, que se encolheu quando sentiu o toque frio em sua pele. Depois, ele inclinou a cabeça em direção ao rosto dela, encostou os lábios nele e o beijou. Enquanto beijava o rosto dela, ele percebia o quanto ela estava apavorada. Podia ouvir o coração dela bater forte no peito, bombeando o sangue para o resto do corpo e conseguiu ouvi-lo correr em suas veias. Podia sentir o perfume que emanava dela, tão doce, tão inebriante, tão convidativo e que, por ser puro e intocado, se tornava ainda mais forte e poderoso. Ele quase não conseguia se conter, precisava de um autocontrole muito além do que estava acostumado ter. Lentamente, ele afastou os lábios do rosto dela e os deslizou por seu pescoço.
Nesse momento, Kimberly prendeu a respiração quando sentiu o toque dos lábios dele. Ele estava tão gelado que ela começou a ficar com muito frio.
— Se você não tivesse prendido os cabelos... — ele murmurou ainda beijando o pescoço dela — Wäre dies nicht passiert... (isto não teria acontecido...)
Então, ela fechou os olhos com força e implorou para que nada de ruim acontecesse com ela. Ainda era nova, tinha tantas coisas para fazer na vida. Não podia terminar seus dias dessa forma. Tinha seu tio para cuidar.
“Também,” — pensou desesperada — “por que raios me meti nisso? Há tantos loucos por aí... eu e minhas ideias malucas, o cara pode ser um assassino! Se acontecer alguma coisa, bem feito para mim!”
Ele inspirou o perfume dela mais uma vez para memorizá-lo e então disse enquanto saía de cima dela.
— É preciso uma grande força de vontade para não seguir adiante. Du bist sehr vollkommen (você é muito perfeita).
Kimberly continuou por algum tempo de olhos fechados. Tinha receio de abri-los e se deparar com ele próximo demais dela.
O silêncio que se seguiu pareceu uma eternidade. Lentamente, ela abriu os olhos e constatou que Ulrich não estava mais ali. Ele estava afastado dela, quase no outro lado da sala, de costas. Levantou-se cautelosa do sofá e percebeu que estava tremendo quando foi pegar a pasta, a bolsa e as chaves e olhou para as mãos.
Após ter julgado que, desta vez, não esquecera nada. Disse com a voz fraca e muito baixa:
— Posso... posso ir embora?



Até segunda-feira que vem.
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