segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O Ciclo das Sombras - Cap. 2/ pt. 3

Olá Queridos Leitores,

Depois de muito tempo cá estou eu publicando mais um pouco do meu livro. Espero que gostem.]


Quando chegaram ao prédio onde Kimberly morava, Martin questionou enquanto ela descia do carro.
— Tem certeza que não houve nada de errado? Você está estranha...
Ela lhe dirigiu um sorriso forçado e respondeu:
— Obrigada por se preocupar comigo, mas está tudo bem. Eu simplesmente me assustei com uma bobagem de nada, não se preocupe com isso. — Disse e lhe dirigiu um lindo sorriso.
Martin respondeu mais aliviado:
— Se você diz que está tudo bem, então está tudo bem. Até amanhã — despediu-se entrando no veículo do primo.
— Até.
Kimberly ficou observando o carro de Rogério se afastar e sumir ao dobrar a esquina mais adiante e então entrou no prédio.
Assim que abriu a porta do apartamento, prosseguiu em sua rotina. Enquanto realizava suas tarefas, lembrava-se da conversa com Vilton. Tinha que admitir que estava exultante! Sempre esperara ser reconhecida e, com o reconhecimento, não cabia em si de tanta felicidade. Era ótimo saber que as pessoas observavam o seu esforço e valorizavam isso.
“Puxa, um aumento de salário! Meu Deus, que maravilha!” — Pensou contente.
Mais tarde, depois de tudo organizado, Kimberly preparou-se para dormir. Deitou na cama ainda pensando no aumento do salário quando, de repente, sentiu um frio no estômago.
— Ai não! — Falou enquanto sentava-se rapidamente. — A pasta ficou na casa! Esqueci a droga da pasta!
Olhou instintivamente para o relógio e percebeu que, pelo horário avançado, não adiantaria mais nada a não ser esperar. A imobiliária, com certeza, já estava fechada.
Revirou-se na cama e resolveu levantar e ir até a cozinha tomar um pouco de água. Tinha perdido completamente o sono com o fato.
— Como posso ter esquecido a pasta mais importante da minha vida? — Perguntava em voz alta enquanto se servia de água. — Como pude esquecer isso? Onde ando com a cabeça?
Bebeu alguns goles enquanto tentava encontrar uma resposta plausível para o que acabara de fazer. Era inadmissível tal descuido. Isso podia lhe causar uma redução de cargo e uma super redução em seu salário, se não lhe custasse o próprio emprego.
Enquanto voltava para o quarto, pensava no que a fizera esquecer a pasta na casa. A semelhança do sonho que tivera com a realidade era impressionante! Tantas coisas estranhas acontecendo ao mesmo tempo em sua vida que não era de admirar que fosse acabar se descuidando de alguma coisa. Ainda bem que ela sabia perfeitamente onde estava a pasta. Deixara os documentos em cima da mesa onde estava o quadro do homem misterioso.
— Homem misterioso... — falou baixinho para si — não é tão misterioso... Agora ele tem um nome: Ulrich von Goeth. Primogênito da família real de Bonn. Que loucura — disse enquanto deitava-se e tentava dormir.
Mas foi difícil. Toda a vez que estava querendo adormecer, as imagens da casa lhe viam à mente e ela acordava e então recomeçava a fazer os planos para o dia seguinte: no final do expediente, ela iria até a imobiliária e pegaria as chaves, então voltaria à casa, pegaria a pasta e estaria tudo perfeito. Só não conseguia entender como é que Martin não vira a pasta em cima da mesinha quando ele e o primo foram olhar os demais andares.
— Martin é tão observador... deveria ter visto iss... — disse enquanto finalmente adormecia.

Na manhã seguinte, Kimberly acordou antes do despertador tocar. Arrumou-se, tomou café rapidamente e saiu de casa ansiosa para chegar à empresa. Pegou o ônibus do horário anterior ao seu e chegou antes de seus colegas. Estava apressada, porque queria pesquisar o endereço da imobiliária sem que ninguém visse. Se caso Martin chegasse a convidá-la para sair depois do expediente, ela diria que tinha um programa qualquer e marcaria para outro momento. Não queria que ele soubesse que ela tinha esquecido uma pasta tão importante em uma casa para vender.
Pegou o guia de endereços e localizou o nome da imobiliária. Anotou o número do telefone e ligou. Assim que a secretária atendeu, Kimberly perguntou enquanto olhava para a entrada da porta para verificar se algum dos seus colegas havia chegado:
— Por favor, qual é o horário de encerramento de vocês?
— Hoje, excepcionalmente, fecharemos às cinco e meia, senhora.
— Não! — Gritou Kimberly ao telefone.
— O que foi senhora? — Perguntou a secretária, pois não tinha entendido o motivo do grito.
— Por favor, — pedia desesperada — pode fazer um favor para mim? Ontem eu estive com um colega meu, visitando uma casa que está para vender. Acontece que eu acabei esquecendo uma pasta muito importante de trabalho na casa e preciso voltar antes que alguém pegue. Preciso ir até aí pegar a chave para buscar minha pasta, mas só saio do trabalho às seis da tarde, poderia me ajudar? É muito importante para mim, meu emprego depende disso!
Silêncio do outro lado da linha.
— Alô, você ainda está aí? — Perguntou quase gritando de novo.
— Um momento, senhora. Vou lhe passar o responsável.
Mais alguns angustiantes minutos se passaram até que um homem a atendeu:
— Sim, em que posso ajudá-la?
Tentando aparentar tranquilidade, Kimberly contou novamente o que havia acontecido e terminou:
— Por favor, só peço para ficarem mais meia hora abertos. Eu preciso pegar a pasta!
— Tudo bem. Não se preocupe, deixe-me só verificar se as chaves encontram-se na imobiliária e já iremos verificar a sua situação.
— Tudo bem, eu aguardo. Muito obrigada — respondeu esperançosa.
Os minutos que se seguiram pareceram uma eternidade. Por um momento, ficou com receio de que o moço lhe dissesse que a chave se encontrava em posse de outro possível comprador e então a porcaria estaria feita. A primeira coisa que iria fazer era escrever a carta de demissão. Seu chefe não a perdoaria, ele...
— Olá, ainda está aí? — Perguntou o homem.
— Sim, — respondeu Kimberly apertando o fone com tanta força que seus dedos chegaram a doer.
— Nós estamos com as chaves aqui sim. Como hoje sou o gerente de plantão, ficarei esperando a senhora aqui, até as seis e meia, no máximo. Se caso você não estiver aqui até o horário, deixarei a chave separada para o colega da manhã com as instruções, está bem?
— Muito obrigada! Não se preocupe, estarei aí antes de você ir embora, não farei você esperar em vão. Muito obrigada mesmo!
Mal tinha colocado o telefone no gancho e Penélope acabava de entrar na sala. Largou a bolsa em cima da mesa e disse bem humorada:
— Madrugou hoje, hein?
Kimberly quase levou um susto quando viu a colega entrar, estava tão absorta na ideia de que iria conseguir pegar as chaves que nem a viu chegar.
— É o projeto da loja que está me deixando inquieta, — desculpou-se — quero terminar ele o quanto antes — terminou suspirando.
Agora, as coisas iriam terminar tranquilamente. Mas não era bem isso que o Destino tinha em mente para Kimberly...


O dia passou numa lentidão absurda. Por mais que tentasse, Kimberly não conseguia se concentrar. Qualquer assunto que tentava resolver era cortado pela ansiedade de ir buscar a “pasta de sua vida” na casa misteriosa. Havia enviado um e-mail para Vilton avisando que precisaria sair uns quinze minutos antes do expediente terminar, pois recebera uma ligação da clínica em que seu tio estava lhe informando que Douglas precisava muito falar com ela. Meia hora depois, ela recebeu o e-mail de confirmação do chefe dizendo que não havia problema e, se ela quisesse, poderia sair às cinco e meia. Afinal, era um assunto de família, devia ser importante.
“Ele nem sabe o quanto é importante” — pensou Kimberly sentindo um enorme alívio.
Quando ela olhou para o relógio que havia em cima de sua mesa de trabalho, constatou que eram cinco horas. Ainda faltava meia hora para sair e então esperou. Verificou os e-mails novamente, navegou por sites de Design tentando encontrar novas ideias para o projeto, mas nada resolvia a angústia que estava sentindo. Ansiava por sair dali o mais rápido possível e salvar a pasta. Não teria descanso enquanto não estivesse com ela embaixo do braço. Quando olhou novamente para o relógio, surpreendeu-se ao constatar que haviam passado cinco minutos do horário que planejara sair. Arrumou as coisas rapidamente e, antes de sair, explicou aos colegas o motivo. Pediu para Penélope avisar Martin, caso ele perguntasse por ela.
Saiu da empresa em disparada até o ponto de táxi. Por sorte, havia um táxi esperando. Caminhou a passos rápidos até o táxi e disse ao motorista:
— Boa tarde, estou com certa pressa para chegar à Rua Julieta Pinto César nº. 87. Pode me levar até lá?
— Com certeza — respondeu o motorista sorridente. — Qual o caminho que a senhorita quer fazer?
Kimberly olhou pela janela do táxi e simplesmente respondeu, enquanto encostava-se no banco:
— O caminho mais curto, por favor.
Minutos antes das seis e meia, Kimberly desceu do táxi e saiu correndo para entrar na imobiliária. Abriu a porta muito ansiosa e só começou a se acalmar quando um homem, que ela julgou ser o mesmo que conversara com ela ao telefone, veio em sua direção.
— Boa noite. — Cumprimentou ele estendendo a mão. — Você deve ser a Kimberly, sim?
Ela balançou a cabeça afirmativamente, pois tentava recobrar o fôlego da correria de antes.
Ele sorriu e disse:
— Sou Fernando, o gerente de plantão. Aqui estão as chaves — disse entregando-as para Kimberly. ─ Normalmente, nós pedimos uma caução de vinte reais, mas como sei que é um caso excepcional, vou entregar as chaves para você e confiarei que amanhã, bem cedo, você as trará de volta, está bem assim?
Com mais calma, ela respondeu:
— Com certeza, entregarei sim. Agradeço muito o que fez por mim, meu emprego depende dessa pasta.
Fernando cruzou os braços e disse:
— Então vá pegar a pasta. Sabemos que, hoje em dia, o emprego não anda fácil. Boa noite e boa sorte.
— Boa noite, — respondeu ela virando-se e saindo novamente apressada.
Teve de caminhar uma quadra a mais até encontrar o próximo ponto de táxi. À medida que se aproximava sentia o coração aos pulos, não havia táxi nenhum e ela não queria esperar mais até conseguir pôr as mãos na bendita pasta.
“Também que idiota que eu sou,” — pensava enquanto caminhava — “por que fui me esquecer de algo tão importante? Onde eu estava com a cabeça?”
No momento em que parou para aguardar o táxi percebeu que o motivo que a fizera esquecer a pasta fora porque saíra correndo como uma criança assustada ao sentir que havia mais alguém naquele quarto. Só isso.
O baque que levou quando se deu conta da causa do esquecimento a deixou com um frio desagradável no estômago. Iria voltar à casa sozinha e desta vez não era em sonho, era na vida real. Não haveria ninguém para ajudá-la se realmente o homem que aparecera para ela em sonho, resolvesse aparecer agora.
“Bem,” — pensou com um suspiro resignado — “prefiro morrer de susto a perder o meu emprego.”
Em seguida um táxi chegou e Kimberly embarcou nele, mal fechou a porta do veículo e pediu:
— Para a Avenida Senador Salgado Filho, quase entrada da Santa Isabel, por favor.
Enquanto aguardava chegar ao destino, desejava que encontrasse a pasta o mais rápido possível. Só iria sossegar quando a tivesse em seu poder. Procurava não pensar na situação, mas tinha de confessar que estava com grande raiva de si mesma. Não gostava, de forma alguma, de esquecer alguma coisa, ainda mais algo tão importante.
“A única explicação para isto é que eu estou ficando louca... com certeza, farei companhia para meu tio logo, logo” — pensou sorrindo tristemente.
— Pronto, chegamos — anunciou o taxista interrompendo o devaneio de Kimberly.
— Obrigada. — Pagou o valor da corrida, saiu do táxi e permaneceu por alguns segundos olhando o veículo desaparecer mais adiante na curva. — Bem, não há volta agora — disse baixinho para si mesma. — É seguir em frente.
Caminhou até o portão de entrada, o mesmo que vira tão nitidamente nos sonhos e o abriu com certa dificuldade. Com certeza, ele não era aberto fazia tempos. Fechou-o atrás de si e encaminhou-se para a porta de entrada. Sentiu uma fisgada no estômago quando se lembrou que o primo de Martin tivera dificuldades em abrir a porta. Se ele, que aparentava ser um homem forte quase não conseguira abrir a porta, o que diria ela?
— Não vou sofrer por antecipação, — disse para si mesma — a porta vai abrir, sim. — Respirou fundo, colocou a chave na porta e girou, torcendo que não acontecesse nada de errado.
A chave girou sem dificuldade alguma e a porta abriu com um leve rangido.
— Puxa, os caras da imobiliária são bons mesmo. Arrumaram a porta de um dia para o outro. Querem mesmo vender a casa para o Rogério — concluiu enquanto entrava na sala.
Encaminhou-se para o interruptor com a mesma facilidade de antes. Acendeu a luz e olhou por um momento para as escadas que levavam ao segundo andar. Fora lá, na mesinha do corredor, que esquecera a pasta e tinha que ir até lá para pegá-la. Olhou em volta esperando ver algo que chamasse a sua atenção, mas a sala permanecia normal, não havia nada de diferente ou que indicasse a presença de outra pessoa. Respirou fundo mais uma vez e caminhou decidida até as escadas. Procurando manter a calma e os batimentos do coração menos acelerados, Kimberly subiu o lance de escadas e parou de frente para o corredor. Levou a mão direita à parede e acendeu o interruptor de luz. O corredor iluminou-se e ela respirou aliviada. A pasta continuava lá, no mesmo lugar e do mesmo jeito que ela deixara na noite anterior.
— Graças a Deus eu a encontrei — disse correndo para pegar a pasta.
Estendeu a mão e pegou o objeto que tanto a deixara nervosa e dispersa durante o dia todo. Apertou-a contra o peito e fechou os olhos por um minuto. Quando os abriu observou mais atentamente o quadro que havia acima da mesinha. O homem que fora pintado era realmente lindo. Os olhos tinham um tom de verde além do que se via por aí, não pareciam naturais. Talvez o pintor quisesse ter dado um toque especial à obra e criara aquele verde azulado que chegava a ser hipnótico. E os cabelos dele foram pintados com uma realidade impressionante, dava a impressão que se a pessoa estendesse a mão à pintura conseguiria pegar uma mecha deles. Eram extremamente pretos e brilhosos e caíam como uma cascata ondulada pelos ombros dele.
— Herr von Goeth — suspirou Kimberly — primogênito da Família Real de Bonn... é tão lindo... nem parece real — murmurou para si mesma.
Aber ich bin, meine Prinzessin, ich bin. (Mas eu sou, minha princesa, eu sou) — disse de repente uma voz grave atrás dela.
Kimberly girou tão rápido que temeu perder o equilíbrio e cair. Apoiou-se como pôde na mesinha e o fez tão bruscamente que quase a derrubou também. Era ele! Ele estava diante dela! E não era um sonho, era real! A única coisa que ela conseguiu fazer foi olhar para os olhos dele e constatar que a pintura do quadro não acrescentara nada, o verde azulado era, de fato, a cor dos olhos dele.
Gute Abend (boa noite) — ele cumprimentou com voz grave.
Kimberly não conseguiu emitir som nenhum, só conseguiu olhar para ele e tentar controlar a respiração que estava muito rápida. Ele avançou um passo em sua direção e ela pôde sentir o perfume doce amadeirado que sentira tantas outras vezes. Por mais que tentasse, não conseguia normalizar a respiração e começava a se sentir tonta. Se não se controlasse, na certa desmaiaria.
Ruhig meine Liebe. (calma, minha querida). Não precisa ficar nervosa... Ich bin hier (eu estou aqui).

Aquilo foi tudo o que Kimberly não precisava no momento, ficou tão nervosa que a respiração ficou mais acelerada e a tontura aumentou mais ainda. A única coisa que conseguiu ver antes de desmaiar foi os olhos verdes brilhantes dele aproximando-se dela.

Por hora é isso. Até a semana que vem.