sexta-feira, 31 de março de 2017

O Ciclo das Sombras - Cap. 1/pt.5

Olá Leitores,

Após muito tempo sem aparecer por aqui eu volto com a continuação do Ciclo.
Boa leitura. Espero que gostem.

Cap.1/ pt.5 

Assim que se identificou ao porteiro da clínica, Kimberly atravessou o portão de grades altas que rodeava toda a casa. Era uma casa grande, quase uma mansão, toda pintada de branco e tinha um jardim enorme e muito bem cuidado. Havia alguns bancos espalhados pelo jardim no qual os pacientes ficavam sentados para receberem suas visitas ou mesmo para descansar e respirar ar puro.
Douglas estava sentado, solitário, em um banco de pedra que ficava perto de um carvalho. Era o lugar preferido do tio e Kimberly sempre ia direto ao mesmo lugar nos seis meses que se seguiram depois do ocorrido.
Caminhou lentamente até chegar perto do banco e então disse com voz suave, para não assustá-lo:
— Oi, tio. Como vai hoje?
Douglas se virou lentamente, abriu um largo sorriso e disse para a sobrinha enquanto chegava para o lado dando lugar à Kimberly.
— Estou muito bem e você, sobrinha querida?
— Vou indo... — Douglas a olhava direto nos olhos e mantinha aquele sorriso infantil nos lábios. — Bem, trouxe umas bolachinhas salgadas e bolachas recheadas de chocolate que eu sei que você gosta muito.
— Oba, então vamos comer! — Disse animado.
Ele parecia uma criança feliz quando ganhava um presente muito desejado.
— Trouxe o chá de hortelã? — Perguntou com a boca cheia de bolacha recheada.
Kimberly fez que sim com a cabeça e preparou-se para pegar a garrafa térmica.
— Xii... — disse Kimberly com as mãos na cabeça — esqueci de trazer os copos!
— Não tem problema — falou Douglas levantando-se prontamente — vou falar com a enfermeira e pedir os copos, já volto — e saiu caminhando rápido em direção à clínica.
Vendo o tio sumir dentro da casa, Kimberly balançou a cabeça tristemente. O que um acidente não fazia na vida das pessoas...
A lembrança ainda era muito forte, mesmo depois de seis meses, parecia que tinha sido ontem...


Naquele final de semana, Kimberly não pudera ir com os pais, os tios e o avô para o litoral, pois tinha um curso de design que ocuparia a sexta-feira e o sábado inteiros. Como era um curso oferecido pela empresa para especialização, ela não poderia dar-se ao luxo de faltar, então tivera de ficar de “castigo” em casa, enquanto a família ia para a praia.
A sexta-feira e o sábado passaram tranquilos e uma parte do domingo também até ela receber a ligação de um número desconhecido em seu celular.
— É a Kimberly Longaray quem fala? — Perguntou uma voz desconhecida, parecendo um pouco nervosa.
— Sim, quem está falando? — Indagou começando a ficar preocupada.
— Aqui é a enfermeira do Hospital São Lucas. Sua família sofreu um acidente na estrada.
O soco que Kimberly levou no estômago foi forte demais, quase não conseguiu respirar. Sua visão turvou um pouco e ela conseguiu balbuciar algumas palavras:
— O-onde eles est-tão? O que tenho... o que tenho que... fazer?
Em poucas palavras a enfermeira deu o endereço do hospital e pediu para que ela viesse o mais rápido possível.
Há um minuto, Kimberly estava sossegada em seu apartamento, sentada em seu sofá, olhando um filme qualquer na televisão. Agora, pegava suas coisas rapidamente colocando-as em sua bolsa para sair o mais depressa possível para o hospital, onde uma enfermeira havia lhe dito que sua família havia sofrido um acidente na estrada. A vida tinha meios para abalar uma rotina tranquila...
— Que Deus permita que dê tudo certo e que todos eles estejam bem — disse para si mesma.
Mas Deus não queria isso. Ele tinha outros planos.


— Infelizmente, Kimberly — dizia o médico — só o seu tio conseguiu sobreviver. É um milagre que Douglas tenha conseguido sair com vida. Os outros não resistiram aos ferimentos... Lamento muito — falou colocando a mão no ombro dela.
Kimberly não disse mais nada, esperou o médico se afastar e caminhou lentamente até um banco que havia no corredor. Sentou-se em silêncio e ali permaneceu por mais de uma hora. Ainda não conseguia acreditar que tal fato tinha acontecido.
“Minha mãe e meu pai de uma vez só?” — Pensou tentando controlar as lágrimas. — “E meu vô... Como será que Douglas vai ficar quando souber que a esposa dele morreu também?”
A tragédia não parava por aí, além de a família inteira ter morrido no acidente, com exceção de Douglas, a esposa dele, que falecera também, estava grávida de sete meses.
Kimberly fechou os olhos com força, tinha de ser um pesadelo, não podia ser real. Era uma notícia muito cruel para ser dada a alguém tão jovem quanto ela.
Depois de todo aquele tempo sentada sem saber o que fazer, Kimberly se dirigiu ao quarto onde Douglas estava. O tio estava fisicamente fora de perigo, tinha sofrido alguns arranhões e tinha deslocado o ombro. Quando Kimberly entrou no quarto, ele estava dormindo. Sentou-se procurando não fazer barulho ao lado da cama e ficou quieta, esperando que ele acordasse.
Não demorou muito e Douglas abriu os olhos, levando alguns segundos até que ele dirigisse o olhar para ela.
— Oi tio, como vai? — Perguntou meio sem jeito, não tinha a menor ideia do que dizer.
— Acho que vou bem... — respondeu reticente. — Como vão... como vão as coisas?
Pergunta intimadora.
Kimberly olhou para todos os cantos do quarto sem saber o que dizer ou o que fazer. Será que deveria dizer a verdade a ele?
— Eu sei o que aconteceu... eles vão ficar bem? — Indagou com um tom de esperança na voz.
— Tio, eu...eu... eu nã — ia tentar falar o que aconteceu quando uma enfermeira entrou no quarto interrompendo a conversa, para alívio de Kimberly.
Assim que a enfermeira começou a conversar com Douglas, Kimberly aproveitou para sair do quarto, iria deixar que os médicos contassem a ele. Não tinha coragem de contar que toda a família de ambos havia morrido no acidente.
Não precisou muito para saber quando Douglas ficou ciente do acontecido. Quase todo o hospital ficou sabendo. Foi logo depois que o médico entrou no quarto. Houve uma gritaria tão absurda que praticamente todos os pacientes saíram de seus quartos para ver o que é que estava acontecendo.
Douglas simplesmente não aceitou o que aconteceu e entrou em estado de choque. E, desde aquela data, ele vivia na casa de repouso que o hospital mantinha. A médica que cuidava dele dizia a Kimberly que um dia Douglas iria melhorar, bastava ter um pouco de paciência e de esperança.
“É difícil ter esperanças, quando a gente sabe que está praticamente sozinha no mundo...” — pensou Kimberly tristemente.


— Aqui estão os copos! — Gritou Douglas que acabava de chegar, tirando Kimberly de suas lembranças.
— Vamos beber nosso chá então — disse Kimberly brindando com o tio.
Enquanto bebiam o chá e comiam as bolachas, Douglas perguntou:
— Como vão as atividades na empresa?
— Vão bem, estou muito contente. O pessoal lá é super legal, pelo menos dá para eu pagar as contas do meu apartamento, né? — Disse sorrindo.
— Algum namorado em vista? — Perguntou de repente.
Kimberly quase se engasgou com o chá de hortelã. Essa era novidade, seu tio queria saber como andava sua vida amorosa.
Ela suspirou e respondeu:
— Tem um rapaz que trabalha comigo, que é muito legal. Todo mundo lá sabe que ele está super apaixonado por mim, eu sei, todos sabem, só que eu não sei se ele é a pessoa certa...
— Ora, mas você só vai saber tentando... — disse Douglas enquanto terminava de comer uma bolacha recheada. — Veja eu e sua tia, por exemplo: quando nos conhecemos, nós não sabíamos se iríamos dar certo, mas tentamos e hoje estamos super felizes... Pena que ela esteja tão longe agora...
Novamente Douglas estava usando a fuga para tentar evitar o óbvio: sua esposa nunca mais estaria com ele, ela estava morta. Kimberly sabia disso muito bem, mas entrava no jogo do tio. A médica dera essa recomendação a ela. Não adiantava nada ela ficar discutindo com o tio sobre o que era verdade ou não, o melhor era entrar no jogo dele e, quando ele estivesse melhor, aos poucos iria acabar aceitando a realidade.
— É verdade tio, mas quando as coisas melhorarem, com certeza ela voltará.
Ele dirigiu um sorriso esperançoso à sobrinha e disse:
— Pois então, quando vai me apresentar seu namorado?
Kimberly não pôde deixar de sorrir. Mal saíra uma noite com Martin e seu tio já o chamava de namorado, provavelmente, ele nem sabia o nome do “suposto” rapaz.
— Tio, você não tem jeito mesmo... eu só saí com ele uma vez... gosto dele, mas ele ainda não é meu namorado.
— Eu sei, mas é assim que as coisas começam. Ora, — disse colocando as mãos na cintura — como é que você acha que as coisas começam?
Kimberly terminou de beber o chá e respondeu enquanto olhava para uma árvore muito bonita que estava mais a frente deles:
— Eu acho que as coisas começam como mágica... com um certo encanto. Quando a gente coloca os olhos e então sente o coração bater mais forte. É como se a gente já soubesse que aquela pessoa foi feita pra gente...
Ele passou as mãos pelos cabelos e disse enquanto balançava a cabeça:
— É muito difícil acontecer alguma coisa parecida com isso... acho até que é impossível. A gente só vê isso nos contos de fada, minha sobrinha.
Essa era a opinião de Douglas, mas Kimberly sabia que, em algum lugar, isto era possível e não era somente um conto de fadas.
— Você já está com vinte e cinco anos, já está na hora de encontrar alguém legal para passear com você, para se divertir. É um programa de índio ficar visitando seu tio de quinze em quinze dias...
— Essa é boa, quem disse que é um programa de índio vir até aqui pra falar com você, quer parar com isso, tio? — Perguntou fingindo-se zangada.
— Está certo, não está mais aqui quem falou — disse abraçando-a.
Ficaram por mais uma hora e meia conversando sobre banalidades quando a enfermeira chegou.
— Bem, senhor Longaray, já está na hora de entrar... — avisou com o jeito calmo e paciente típico das enfermeiras.
Ele olhou meio tristonho para a sobrinha e disse:
— Bem, vou ficar esperando novidades daqui a quinze dias, então. Veja se dá uma chance ao rapaz... — falou sorrindo enquanto acompanhava a enfermeira.
— Tá certo tio, irei pensar no que me disse — respondeu enquanto começava a recolher e colocar as coisas de volta à cesta de piquenique.
Estava na hora de voltar para casa.



Até a próxima,