Olá Queridos Leitores,
Segue o capítulo 2 do Ciclo das Sombras para vocês. Espero que gostem.
CAPÍTULO 2
Início,
fim e recomeço
A
semana na Arts Design iniciou calma e sem nenhuma surpresa.
Kimberly procurou se dedicar com maior atenção às tarefas que
tinha para fazer. Queria ocupar a mente e não lembrar nem do final
de semana que tivera, nem do sonho doido com a casa. Se direcionasse
o pensamento exclusivamente ao trabalho, com certeza, o tempo
passaria mais rápido e ela não ficaria imaginando coisas. Porém,
quando isto acontecia, ela se concentrava de tal forma que entrava em
seu mundo e não falava com ninguém ao seu redor.
Notando
a quietude da colega, Penélope não esperou mais e perguntou:
— O
que há de errado com você, Kim?
Brian
parou o que estava fazendo e olhou para Kimberly esperando a
resposta. Também tinha notado a mudança dela, mas não queria ser
indiscreto e perguntar.
—
Kim? — Penélope tornou a perguntar.
—
Hein? — Disse olhando para Penélope como se estivesse vendo-a pela
primeira vez.
— Eu
perguntei se está tudo bem com você. Observei que você está
diferente. Aconteceu alguma coisa no final de semana que a deixou
preocupada?
Ela
olhou para o monte de papel espalhado sobre a mesa, olhou para a tela
do computador, tornou a olhar para os papéis e respondeu, após um
longo suspiro:
—
Não consegui dormir direito neste final de semana, tive um sonho
amalucado e depois fiquei me lembrando deles... Está bem difícil...
Penélope
mordeu o lábio inferior, passou a mão pelo rosto e sugeriu com
certo receio:
—
Gostaria de passar algum tempo lá em casa? Quem sabe você não está
precisando de uma mudança de ares? O que você está passando é
muito para uma pessoa só.
Uma
vez que Kimberly não respondeu, Penélope continuou como se
estivesse se desculpando por ter falado algo que não devia.
— Se
falei algo que a incomodou, peço desculpas. Queria ajudar de alguma
forma, mas não sei por onde começar...
— Eu
também gostaria de ajudar, se puder — acrescentou Brian meio sem
jeito.
Ela
olhou para os colegas e sorriu. Era bom saber que havia alguém que
se preocupava com ela, de alguma forma.
—
Obrigada pessoal, mas acho que, com relação a isso, não há muito
que fazer. Penso que só o tempo pode curar esta ferida. — Fez uma
pausa e disse. — Gente, eu é que peço desculpas se estiver sendo
inconveniente, sei que alguém como eu acaba baixando o astral do
ambiente...
O
silêncio respondeu, mas Penélope não deixou que se estendesse
muito.
—
Kim, pare com isso. Nós sabemos que não é nada fácil o que você
está passando, não seja dura demais consigo. Só quero que saiba
que nós todos estaremos aqui para ajudá-la no que for preciso. Não
fique acanhada em pedir auxílio a qualquer um de nós... somos seus
amigos.
Kimberly
tornou a sorrir e disse:
—
Sei disso, agradeço todos os dias por ter amigos como vocês... —
olhou para a porta da sala e falou mais alto — e agradeço a vocês
que estão escutando atrás da porta também — terminou sorrindo
mais.
Brian
e Penélope olharam ao mesmo tempo para a porta e viram Cristiano,
Martin e Evelin entrarem.
—
Puxa, mas onde raios a educação de vocês foi parar? — Perguntou
Brian divertido. — Por acaso, perderam?
—
Nada disso, — respondeu Cristiano — nós estávamos a caminho
daqui quando escutamos o que Penélope estava dizendo, então paramos
para ouvir e aproveitar para dizer que as palavras dela também são
as nossas. Pode contar com a gente para qualquer coisa, Kim.
Kimberly
olhou para o semblante de cada um e sorriu. Era bom estar entre
amigos. Ali, ela sabia que tinha com quem contar, embora não
gostasse de ocupar os ouvidos das pessoas com seus problemas.
— Tá
bom, tá bom, vocês venceram. Qualquer problema vou encher o saco de
vocês e olha que eu sou chata, hein? — Terminou sorrindo.
Todos
sorriram e, naquele momento, uma espécie de acordo entre os seis
colegas estava formado. Acontecesse o que acontecesse, eles estariam
juntos para ajudarem uns aos outros.
No
final da tarde, Martin passou na sala de Kimberly e lhe perguntou:
—
Olá dona ocupada, gostaria de sair para tomar um refresco hoje?
Kimberly
sorriu para Martin e respondeu prontamente:
—
Claro que sim, eu vou gostar muito.
Após
despedirem-se dos colegas, os dois se dirigiram para a parada de
ônibus. Enquanto esperavam, ela perguntou:
—
Aonde vamos hoje?
—
Estava pensando em ir naquele lugar que fomos com a galera na semana
passada. Que acha?
—
Bem legal. Gostei do lugar, o pessoal nos atende super bem, né?
“Ai,
ai... a casa de novo e eu que achei que não ia mais pensar nela tão
cedo...” — pensou Kimberly olhando na direção de um ônibus que
se aproximava.
Aguardaram
uns cinco minutos mais até que o ônibus que os levaria ao lugar
desejado chegou. Embarcaram e se acomodaram no banco dos fundos. Após
um tempo Martin, não se contendo, começou:
—
Kimberly, sei que não é da minha conta, mas fiquei preocupado com o
que aconteceu hoje lá na empresa. Você está precisando de alguma
ajuda e não quer nos contar? Sabe que pode contar conosco, né?
Ela
olhou pela janela. Avistou um casal de namorados passeando
alegremente pela calçada e olhou para Martin. Ele esperava por
alguma resposta e ela seria sincera com ele.
—
Martin, sei que posso contar com vocês e sei disso muito bem depois
do que aconteceu hoje, mas eu simplesmente não sei o que fazer. Tem
sido mesmo muito complicado isso tudo. Sei que já passaram seis
meses, mas mesmo assim não consegui seguir o curso normal da coisa.
Parece que para onde quer que eu olhe, eu vou vê-los sorrindo e
conversando comigo. É como se eles estivessem sempre comigo. É
muito estranho... — disse olhando para as mãos.
—
Não é nada de estranho não — afirmou ele. — Imagino que seja
assim mesmo, ainda mais se você era apegada a eles e tinha muita
afinidade. — Fez uma breve pausa e continuou. — O que você está
fazendo é algo que eu não sei se conseguiria fazer se tivesse
acontecido comigo. Você é muito forte Kim. Não posso dizer que
isso vai passar, porque sei que não vai... Você sempre se lembrará
deles, não há como esquecer. Por isso, não seja tão dura consigo
mesmo. Dê tempo ao tempo e seja menos severa. Vai ver que, aos
poucos, você vai melhorar.
Kimberly
não resistiu e deitou a cabeça no ombro dele. Ele tinha o poder de
fazê-la sentir-se melhor. Ficaram assim por mais algum tempo até
que tiveram de levantar para descer.
Caminharam
em silêncio até o bar. Escolheram uma mesa isolada das demais e
que, por “coincidência”, ficava de frente para a casa. Após
terem se acomodado, Martin fez o pedido à garçonete e, assim que
ela se afastou, ele olhou nos olhos castanhos de Kimberly e disse
sorrindo:
—
Sabe, fico feliz por estarmos saindo mais seguido juntos.
Ela
balançou a cabeça afirmando e respondeu:
—
Para ser bem sincera, eu também estou feliz, mas peço... — fez
uma pausa, escolhendo as palavras, pois não queria de forma alguma
magoá-lo — vamos com calma. Eu sempre fui muito clara com relação
a isso, não quero dar uma ideia errada...
Martin
segurou as mãos dela entre as suas e disse calmamente:
—
Não esquenta Kim, sei muito bem o que você me disse. Não precisa
se preocupar, porque eu não vou passar o sinal vermelho, só se você
pedir. E além do mais, só tendo a sua presença, mesmo como amiga,
já me deixa muito contente.
Kimberly
dirigiu um largo sorriso e respirou aliviada. Era bom saber que podia
se sentir segura com Martin. Sabia que ele falava a verdade e que não
iria fazer nada que ela não quisesse.
Estava
começando a relaxar quando viu uma luz se acender na casa a sua
frente. Não escondeu a curiosidade e virou rapidamente o rosto em
sua direção.
— O
que foi Kim? — Ele questionou curioso, olhando na mesma direção.
Desta
vez, ela não se preocupou em disfarçar a curiosidade sobre a casa e
disse:
—
Aquela casa... é tão esquisita. Ela chama a minha atenção como
nenhuma outra. Está para vender, logo não poderia ter ninguém
morando nela, como a luz se acendeu?
Martin
analisou a casa e respondeu:
—
Ora, provavelmente os donos devem ter entrado para dar uma olhada ou
para arrumar alguma coisa. Isso é normal. — Fez uma breve pausa e
perguntou. — Como você sabe que a casa está abandonada?
Kimberly olhou para Martin com os olhos arregalados. Tinha ido longe
demais na história da casa, mas... pensando bem, que mal havia em
falar para ele o que é que realmente tinha acontecido? Após um
breve suspiro, começou a contar.
— No
sábado passado, depois que eu voltei da visita ao meu tio, resolvi
descer na parada perto da casa e caminhei até lá para ver o que é
que havia que me chamava tanto a atenção.
Martin
permanecia em silêncio ouvindo as palavras dela. Por um momento,
Kimberly achou que ele estivesse esperando uma brecha para caçoar
dela por ter tido uma atitude tão absurda, mas não foi isso que viu
em seus olhos. Ele a ouvia com atenção e interesse.
—
Pois então, — continuou — caminhei até o portão de ferro da
casa. Olhei por tudo e percebi que a casa estava abandonada. O jardim
está muito malcuidado, a estradinha que deveria existir ali nem dá
para ver direito de tanto capim que tem. Eu ia abrir o portão para
olhar mais, mas com aquele mato todo desisti, vai que aparece um
bicho esquisito por ali.
Com o
comentário de Kimberly, Martin não conteve uma gargalhada, fazendo
com que outras pessoas se virassem para ver o que é que estava
acontecendo.
—
Continue, é que ficou engraçada a forma como você disse isso. Por
um momento, imaginei um bicho-papão saindo do mato — respondeu
sorrindo.
Kimberly
riu junto com ele. A imagem de um monstro saindo por entre o capim,
naquele contexto ficou mesmo engraçado.
—
É... — disse sorrindo — agora é engraçado imaginar isso, mas
no dia que eu estava ali, não achei graça nenhuma. A sensação que
eu tive foi de que havia de fato alguém ali, me observando.
Ele
ergueu uma sobrancelha e a ouviu sem comentar mais nada.
— Eu
me virei para ir embora, pois estava mesmo ficando com medo, então
eu senti um perfume... — parou a narração lembrando o aroma que
sentira. — Um perfume doce amadeirado... um perfume importado, tão
bom... Mas se não tinha ninguém ali por perto, como eu poderia ter
sentido esse aroma?
Martin
se ajeitou melhor na cadeira, colocou os cotovelos sobre a mesa,
entrelaçou as mãos e disse enquanto olhava na direção da cozinha
do bar:
—
Puxa, a demora está tão grande que, quando a gente resolver ir
embora, vão trazer o nosso pedido... — olhou para Kimberly e
continuou. — Mas isso pode acontecer. Acontece frequentemente
comigo. Às vezes, do nada, eu sinto um perfume muito bom, mas não
tem ninguém comigo.
Ela
baixou os olhos para a mesa, ponderou o que ele disse e respondeu:
— É,
provavelmente, você tem razão, não há nada para temer... vai ver
foi uma brisa que trouxe o perfume e eu fiquei imaginando coisas...
mas a sensação de que tinha alguém me espiando foi forte demais
para ser ignorada. Até a cortina da janela mexeu e não tinha vento
naquela hora.
—
Bem... aí fica complicado, mas em princípio não é nada alarmante
— disse calmamente.
Kimberly
olhou novamente para a casa e para a janela cuja luz estava acesa. “O
que é que estava acontecendo?” — Pensou intrigada.
—
Adivinha? — Perguntou Martin de repente, tirando Kimberly de seus
devaneios. — Poderemos tirar essa dúvida em seguida.
—
Dúvida? — Perguntou sem entender nada. — Que dúvida?
Ele ia
responder, mas esperou, pois a garçonete havia aparecido para trazer
o pedido deles.
— Já
não era sem tempo — ele falou assim que ela se afastou.
Espetou
algumas batatas-fritas e continuou:
—
Voltando ao assunto... eu dizia que podemos tirar a sua dúvida com
relação à casa, se há ou não alguém morando nela. Meu primo
está para se mudar e quer uma casa. Posso falar dela — disse
olhando para a casa — se ele se interessar, poderemos fazer a
visita juntos, que acha?
Kimberly
olhou mais uma vez para a casa. A luz ainda estava acesa.
Abriu
um largo sorriso e disse:
— Se
ele não se importar, eu iria adorar acompanhar vocês.
Passaram
as horas seguintes conversando sobre banalidades e assuntos da
empresa. Quando Kimberly olhou para o relógio pela primeira vez
desde que chegaram, levou um susto, pois o relógio marcava dez para
a meia noite.
—
Martin, — exclamou — você viu que horas são?
No
mesmo momento Martin olhou para o seu relógio e disse enquanto
erguia as sobrancelhas, surpreso:
—
Credo! Não vi o tempo passar. Nós ficamos aqui de papo e já está
tarde demais! E amanhã é a recém terça-feira. Puxa! Desse jeito
você não vai mais querer sair comigo! — Falava enquanto pegava o
casaco e o vestia.
—
Também não é assim — disse Kimberly também se arrumando para
sair.
Martin
pagou a conta e caminharam a passos rápidos para a parada de ônibus.
Como
já era tarde, o último ônibus demorou a chegar. Kimberly achou que
Martin ia seguir o caminho quando ela se levantou para descer, mas se
enganou quando percebeu que ele iria descer junto com ela.
—
Martin, está muito tarde, acho melhor não descer comigo — disse
enquanto se encaminhava para a porta de saída do ônibus.
—
Não mesmo, — falou seguindo-a — vou com você. É minha
responsabilidade saber que você está sã e salva em casa. Ficaria
com grande remorso se eu seguisse o meu caminho e acontecesse alguma
coisa com você, ainda mais, porque fui eu quem a convidou para sair.
Ela
ficou quieta, não havia argumentos depois do que ele disse.
Assim
que chegaram ao portão do prédio onde Kimberly morava, Martin se
despediu dela com um beijo como da outra vez em que saíram. Ela se
odiou por ter retribuído, mas embora não quisesse namorar com ele,
não achava que estava fazendo algo fora da lei apenas por beijá-lo.
De qualquer forma, ela achou melhor avisar:
—
Martin, não se esqueça do que...
— Eu
sei, — disse interrompendo-a enquanto fazia um gesto com a mão
para fazê-la silenciar — já lhe disse que estou muito ciente da
situação. Não se preocupe.
O
coração dela batia forte, a presença de Martin fazia com que ela
ficasse sempre alerta. Estava sendo cautelosa ao máximo, porque não
queria, de forma alguma, magoar alguém tão amigo e gentil quanto
ele. Depois que ele se afastou para ir embora, ela pensou enquanto
colocava a chave no portão e o abria:
“Que
Deus o proteja e que você chegue tranquilo em sua casa.”
O dia
seguinte foi muito corrido. Kimberly atendeu dez novos clientes e
estava muito envolvida com um projeto importante de um encarte de
vendas de uma loja fina e muito conceituada que estava inaugurando
uma filial no novo shopping da cidade.
—
Boas notícias para você — falou Martin atrás dela.
Kimberly
estava tão concentrada que não o viu entrar na sala e muito menos
se aproximar dela. Deu um salto da cadeira, derrubando alguns papéis.
—
Desculpe — apressou-se em dizer enquanto erguia os papéis do chão
— achei que você tivesse me visto.
Com a
mão no peito, ela respondeu:
—
Estava absorta no encarte da loja do shopping que nem vi você chegar
— falou tentando normalizar a respiração.
Martin
aguardou alguns segundos até que Kimberly tivesse se recuperado do
susto que levara. Enquanto ela organizava os papéis que tinha
deixado cair, ele conversava com Brian sobre o jogo de futebol que
iria passar na televisão na quarta-feira. Depois que Kimberly
guardou seu material de trabalho foi se juntar a eles, apoiando-se na
mesa de Brian.
—
Não sei não, mas acho que amanhã vocês vão perder — dizia
Brian animado.
—
Nós ganharemos com certeza, mesmo que o time que for jogar amanhã
seja só de reservas.
Brian
fez uma careta sobre o comentário e disse mais alguma coisa que
passou despercebida por Kimberly, pois ela tinha se afastado da mesa
e se aproximava de Penélope, que estava se arrumando para ir embora.
—
Esses dois não têm mais nada para conversar? Só sabem falar de
futebol — comentou.
Penélope
ergueu os olhos e respondeu:
—
Imagino que homem que não fale sobre futebol ou é de outro planeta
ou é florzinha — e sorriu com a própria piada. Pegou a bolsa e
disse. — Boa noite pessoal. Vou embora, porque amanhã tem um monte
de coisas para fazer e eu quero dormir cedo hoje. Até amanhã.
—
Até amanhã — responderam os três em uníssono.
Assim
que Penélope saiu da sala, Brian também se despediu e saiu logo em
seguida, deixando Martin e Kimberly sozinhos.
Enquanto
esperava Kimberly pegar a bolsa, ele disse:
—
Lembra a história da casa? Pois é, falei com meu primo e ele adorou
a ideia. Gostou mais ainda quando soube que fica perto da empresa em
que trabalho. Assim, se a casa estiver em perfeitas condições, ele
vai querer se mudar.
Kimberly
sorriu com a possibilidade de ver, finalmente, a tão desejada
moradia.
—
Quando é que ele vai fazer a visita? — Questionou enquanto pegava
a pasta contendo o projeto da loja.
—
Ele queria vir hoje, mas tinha um compromisso e resolveu deixar para
amanhã. Nós faremos o seguinte: ele vai vir aqui depois do
expediente e nós vamos à imobiliária pegar a chave para ver a casa
— olhou para ela por um instante e perguntou. — Você não tem
nenhum plano para amanhã, tem?
Ela
sorriu de novo e respondeu:
—
Plano? É mais certo o seu time ganhar amanhã do que eu ter algum
plano.
Por
aquela Martin não esperava e sorriu animado com o comentário dela.
Kimberly
chegou em seu apartamento tremendo de frio. Não imaginou que a
temperatura iria baixar tão bruscamente, embora o Outono já tivesse
iniciado. Largou suas coisas na cadeira que havia na entrada do
apartamento e dirigiu-se rapidamente, com os braços em torno de si
mesma, para o quarto. Iria tomar um banho bem quente para ver se
conseguia dissipar o frio.
Enquanto
tomava banho, Kimberly sorria alegre, pois finalmente iria conhecer a
tão famosa casa. Era bom demais que os fatos coincidissem de tal
forma fazendo com que, o que ela mais desejara, acontecesse.
Após
o banho, foi até a cozinha preparar um lanche. Depois de comer,
organizou tudo e foi-se deitar. Tinha muito trabalho amanhã e uma
visita muito importante para fazer.
Enquanto
esperava o sono chegar, pensava na empresa em que trabalhava. Vilton
com certeza era um bom chefe. Ele acreditava no potencial dela, caso
contrário, não delegaria a ela uma tarefa tão importante quanto o
projeto da loja do shopping.
“Fico
orgulhosa com isso.” — Refletia animada. —“É bom mesmo
quando a gente é reconhecida por todo o esforço que dedicamos à
determinada tarefa. Que bom que o chefe me reconheceu... vou me
dedicar mais ainda. Talvez até o meu cargo na empresa suba um
pouquinho” — terminou o pensamento sorrindo satisfeita.
Kimberly
levou algum tempo ainda para conseguir dormir e quando o fez,
novamente sonhou.
Ela
estava dentro da casa. Estava tudo escuro e ela tinha que caminhar
devagar se não quisesse bater nos móveis a sua frente. Não havia
um barulho que acusasse a presença de outra pessoa ali, a não ser
ela.
“O
que é que eu estou fazendo aqui?” — Pensava enquanto caminhava
devagar para não bater em nada. — “Eu ainda não fui fazer a
visita com Martin, como posso estar aqui, então?”
Continuou
caminhando. O escuro atrapalhava muito sua expedição, mas Kimberly
não iria desistir tão fácil, já que conseguira entrar na casa sem
esforço algum. Às vezes, era bom ter sonhos desse tipo, pois não
era preciso se preocupar em como as coisas aconteciam, simplesmente
se devia deixar o curso dos acontecimentos seguir. Passou pela sala e
encaminhou-se até as escadas. Começou a subir degrau por degrau bem
devagar para evitar errar o pé e cair um tombo feio. Quando chegou
ao segundo andar, continuou caminhando devagar pelo corredor. Parou
por um momento quando viu que havia uma claridade no aposento ao
fundo do corredor, que ela julgou ser um quarto.
Respirou
fundo e continuou caminhando até chegar perto da porta. Colocou a
mão devagar sobre a maçaneta e a girou lentamente, com medo de que
o possível barulho que fizesse pudesse despertar alguma coisa na
casa. Quando abriu a porta, percebeu que não era a luz de uma
lâmpada que iluminava o ambiente e sim a luz de uma vela.
“Acho
que não pagaram a luz nesse mês...” — pensou enquanto entrava
no quarto.
Era um
quarto muito bonito e decorado com elegância. Pela disposição dos
móveis, ela deduziu que o quarto pertencia a um homem,
provavelmente, o dono da casa. Encaminhou-se ao centro do espaçoso
aposento até ficar de frente para a cama de casal. Olhou em volta e
não viu nada que pudesse chamar sua atenção, o quarto estava
vazio.
Antes
que pudesse se virar para ir embora, sentiu aquele aroma conhecido, o
perfume doce amadeirado que a deixava tonta. Ela não estava mais
sozinha.
—
Hallo, meine Liebe (olá, minha querida) — sussurrou a voz,
em alemão, atrás dela. — Estava esperando por você — disse em
português, mas com um sotaque muito forte.
Desta
vez, ele não a segurou pela cintura. Foi ela quem se virou
lentamente para ver o que estava acontecendo. Quando deu o giro
completo, Kimberly se deparou com o mesmo homem do sonho anterior.
Naquele momento, não conseguiu fazer mais nada, simplesmente parou.
A única coisa que conseguia fazer era olhar para os olhos verdes
azulados dele e para a palidez de sua pele.
“Nossa...”
— pensou enquanto suspirava — “ele parece com os deuses gregos
esculpidos em mármore... como é lindo!”
—
Esperei por muito tempo... e finalmente você chegou — ele falou
com sotaque alemão.
Kimberly
não percebeu, mas enquanto falava, ele ia empurrando-a lentamente em
direção à cama.
—
Não consigo entender... — foi a única coisa que ela conseguiu
dizer antes de recuar mais alguns passos e acabar se deitando na
cama.
Ele
sorriu de modo enigmático e disse enquanto deitava-se sobre ela:
—
Não consegue entender? Nein (não)? Tenho observado você
todos os dias quando passa em frente a minha casa. Observei cada
movimento seu quando você tentou entrar no pátio — agora o
sotaque dele estava tão forte que faltava pouco para começar a
falar em alemão.
Kimberly
sacudia a cabeça tentando não ouvir o que ele dizia. Era só um
sonho, nada demais e, no entanto, estava se tornando muito real...
real até demais.
Ela
tinha vontade de se afastar dele e ir embora, estava muito perigoso
ficar ali com ele, um estranho. Tentou se erguer para ir embora, mas
não conseguiu, acabou tonteando quando aspirou novamente o perfume
dele.
—
Ich weiβ... Ich weiβ... (eu sei... eu sei...) que você tem
observado minha casa há muito tempo e que tem sobre ela um
fascínio inexplicável.
Kimberly
olhou para ele admirada com a informação. Aquilo era um sonho ou o
quê? Estava muito real para ser apenas um sonho. Não conseguiu
fazer nem dizer mais nada, estava sem ação.
Ele
sorriu carinhosamente para Kimberly e disse enquanto segurava uma
mecha dos cabelos dela:
—
Sei que parece absurdo, mas não é.... Das ist kein Traum, es ist
wahr (isto não é um sonho, é verdade.). E quando você
acordar, vai se lembrar de tudo isso claramente...
Ele
levou a mecha de cabelos dela até o nariz para que pudesse aspirar o
seu perfume, depois soltou a mecha e passou a mão lentamente pelo
rosto dela. Ao sentir o toque da mão dele em seu rosto, Kimberly se
encolheu instintivamente, pois a mão dele era fria como gelo e ela
sentiu frio. Em seguida, ele virou delicadamente a cabeça dela para
o lado esquerdo e disse enquanto aproximava o rosto do pescoço dela:
—
Você tem um perfume maravilhoso... e o sangue puro... intocado. É
inebriante.
Kimberly
não conseguiu normalizar a respiração, que estava acelerada. Ele a
estava deixando sem condições de raciocinar. Tentou afastá-lo, mas
não conseguiu, ele parecia ser feito de pedra e era muito forte.
Ele
aproximou os lábios do pescoço dela e o beijou, fazendo com que
Kimberly prendesse a respiração. Em seguida, se afastou para olhar
para os olhos castanhos dela.
—
Ficarei esperando por você... Bis morgen meine Prinzessin (até
amanhã, minha princesa) — disse e a beijou nos lábios.
Kimberly
não conseguiu impedir e nem tentou. O beijo dele era especial, suave
e fazia com que ela perdesse completamente a noção de tempo e
espaço. Ele a estreitou mais em seus braços fortes fazendo com que
ela não conseguisse respirar, quando Kimberly percebeu que iria
acabar desmaiando por falta de ar, abriu os olhos de repente e
percebeu que não estava mais na casa e sim em seu quarto. Permaneceu
por um tempo olhando para o teto, tentando ordenar os pensamentos.
Quando se sentiu mais calma, sentou-se na cama, dobrou as pernas e
abraçou-as, apoiando a cabeça nos joelhos.
—
Outro sonho maluco... — murmurou pra si mesma — mas foi tão
real... ainda consigo sentir o perfume... quem é ele? Quem é esse
homem que aparece em meus sonhos e me tira do sério? — Questionou
novamente enquanto voltava a deitar e tentava dormir de novo.