Após muito tempo sem aparecer por aqui eu volto com a continuação do Ciclo.
Boa leitura. Espero que gostem.
Cap.1/ pt.5
Assim
que se identificou ao porteiro da clínica, Kimberly atravessou o
portão de grades altas que rodeava toda a casa. Era uma casa grande,
quase uma mansão, toda pintada de branco e tinha um jardim enorme e
muito bem cuidado. Havia alguns bancos espalhados pelo jardim no qual
os pacientes ficavam sentados para receberem suas visitas ou mesmo
para descansar e respirar ar puro.
Douglas
estava sentado, solitário, em um banco de pedra que ficava perto de
um carvalho. Era o lugar preferido do tio e Kimberly sempre ia direto
ao mesmo lugar nos seis meses que se seguiram depois do ocorrido.
Caminhou
lentamente até chegar perto do banco e então disse com voz suave,
para não assustá-lo:
—
Oi, tio. Como vai hoje?
Douglas
se virou lentamente, abriu um largo sorriso e disse para a sobrinha
enquanto chegava para o lado dando lugar à Kimberly.
—
Estou muito bem e você, sobrinha querida?
—
Vou indo... — Douglas a olhava direto nos olhos e mantinha aquele
sorriso infantil nos lábios. — Bem, trouxe umas bolachinhas
salgadas e bolachas recheadas de chocolate que eu sei que você gosta
muito.
—
Oba, então vamos comer! — Disse animado.
Ele
parecia uma criança feliz quando ganhava um presente muito desejado.
—
Trouxe o chá de hortelã? — Perguntou com a boca cheia de bolacha
recheada.
Kimberly
fez que sim com a cabeça e preparou-se para pegar a garrafa térmica.
—
Xii... — disse Kimberly com as mãos na cabeça — esqueci de
trazer os copos!
—
Não tem problema — falou Douglas levantando-se prontamente — vou
falar com a enfermeira e pedir os copos, já volto — e saiu
caminhando rápido em direção à clínica.
Vendo
o tio sumir dentro da casa, Kimberly balançou a cabeça tristemente.
O que um acidente não fazia na vida das pessoas...
A
lembrança ainda era muito forte, mesmo depois de seis meses, parecia
que tinha sido ontem...
Naquele
final de semana, Kimberly não pudera ir com os pais, os tios e o avô
para o litoral, pois tinha um curso de design que ocuparia a
sexta-feira e o sábado inteiros. Como era um curso oferecido pela
empresa para especialização, ela não poderia dar-se ao luxo de
faltar, então tivera de ficar de “castigo” em casa, enquanto a
família ia para a praia.
A
sexta-feira e o sábado passaram tranquilos e uma parte do domingo
também até ela receber a ligação de um número desconhecido em
seu celular.
— É
a Kimberly Longaray quem fala? — Perguntou uma voz desconhecida,
parecendo um pouco nervosa.
—
Sim, quem está falando? — Indagou começando a ficar preocupada.
—
Aqui é a enfermeira do Hospital São Lucas. Sua família sofreu um
acidente na estrada.
O soco
que Kimberly levou no estômago foi forte demais, quase não
conseguiu respirar. Sua visão turvou um pouco e ela conseguiu
balbuciar algumas palavras:
—
O-onde eles est-tão? O que tenho... o que tenho que... fazer?
Em
poucas palavras a enfermeira deu o endereço do hospital e pediu para
que ela viesse o mais rápido possível.
Há um
minuto, Kimberly estava sossegada em seu apartamento, sentada em seu
sofá, olhando um filme qualquer na televisão. Agora, pegava suas
coisas rapidamente colocando-as em sua bolsa para sair o mais
depressa possível para o hospital, onde uma enfermeira havia lhe
dito que sua família havia sofrido um acidente na estrada. A vida
tinha meios para abalar uma rotina tranquila...
—
Que Deus permita que dê tudo certo e que todos eles estejam bem —
disse para si mesma.
Mas
Deus não queria isso. Ele tinha outros planos.
—
Infelizmente, Kimberly — dizia o médico — só o seu tio
conseguiu sobreviver. É um milagre que Douglas tenha conseguido sair
com vida. Os outros não resistiram aos ferimentos... Lamento muito —
falou colocando a mão no ombro dela.
Kimberly
não disse mais nada, esperou o médico se afastar e caminhou
lentamente até um banco que havia no corredor. Sentou-se em silêncio
e ali permaneceu por mais de uma hora. Ainda não conseguia acreditar
que tal fato tinha acontecido.
“Minha
mãe e meu pai de uma vez só?” — Pensou tentando controlar as
lágrimas. — “E meu vô... Como será que Douglas vai ficar
quando souber que a esposa dele morreu também?”
A
tragédia não parava por aí, além de a família inteira ter
morrido no acidente, com exceção de Douglas, a esposa dele, que
falecera também, estava grávida de sete meses.
Kimberly
fechou os olhos com força, tinha de ser um pesadelo, não podia ser
real. Era uma notícia muito cruel para ser dada a alguém tão jovem
quanto ela.
Depois
de todo aquele tempo sentada sem saber o que fazer, Kimberly se
dirigiu ao quarto onde Douglas estava. O tio estava fisicamente fora
de perigo, tinha sofrido alguns arranhões e tinha deslocado o ombro.
Quando Kimberly entrou no quarto, ele estava dormindo. Sentou-se
procurando não fazer barulho ao lado da cama e ficou quieta,
esperando que ele acordasse.
Não
demorou muito e Douglas abriu os olhos, levando alguns segundos até
que ele dirigisse o olhar para ela.
— Oi
tio, como vai? — Perguntou meio sem jeito, não tinha a menor ideia
do que dizer.
—
Acho que vou bem... — respondeu reticente. — Como vão... como
vão as coisas?
Pergunta
intimadora.
Kimberly
olhou para todos os cantos do quarto sem saber o que dizer ou o que
fazer. Será que deveria dizer a verdade a ele?
— Eu
sei o que aconteceu... eles vão ficar bem? — Indagou com um tom de
esperança na voz.
—
Tio, eu...eu... eu nã — ia tentar falar o que aconteceu quando uma
enfermeira entrou no quarto interrompendo a conversa, para alívio de
Kimberly.
Assim
que a enfermeira começou a conversar com Douglas, Kimberly
aproveitou para sair do quarto, iria deixar que os médicos contassem
a ele. Não tinha coragem de contar que toda a família de ambos
havia morrido no acidente.
Não
precisou muito para saber quando Douglas ficou ciente do acontecido.
Quase todo o hospital ficou sabendo. Foi logo depois que o médico
entrou no quarto. Houve uma gritaria tão absurda que praticamente
todos os pacientes saíram de seus quartos para ver o que é que
estava acontecendo.
Douglas
simplesmente não aceitou o que aconteceu e entrou em estado de
choque. E, desde aquela data, ele vivia na casa de repouso que o
hospital mantinha. A médica que cuidava dele dizia a Kimberly que um
dia Douglas iria melhorar, bastava ter um pouco de paciência e de
esperança.
“É
difícil ter esperanças, quando a gente sabe que está praticamente
sozinha no mundo...” — pensou Kimberly tristemente.
—
Aqui estão os copos! — Gritou Douglas que acabava de chegar,
tirando Kimberly de suas lembranças.
—
Vamos beber nosso chá então — disse Kimberly brindando com o tio.
Enquanto
bebiam o chá e comiam as bolachas, Douglas perguntou:
—
Como vão as atividades na empresa?
—
Vão bem, estou muito contente. O pessoal lá é super legal, pelo
menos dá para eu pagar as contas do meu apartamento, né? — Disse
sorrindo.
—
Algum namorado em vista? — Perguntou de repente.
Kimberly
quase se engasgou com o chá de hortelã. Essa era novidade, seu tio
queria saber como andava sua vida amorosa.
Ela
suspirou e respondeu:
—
Tem um rapaz que trabalha comigo, que é muito legal. Todo mundo lá
sabe que ele está super apaixonado por mim, eu sei, todos sabem, só
que eu não sei se ele é a pessoa certa...
—
Ora, mas você só vai saber tentando... — disse Douglas enquanto
terminava de comer uma bolacha recheada. — Veja eu e sua tia, por
exemplo: quando nos conhecemos, nós não sabíamos se iríamos dar
certo, mas tentamos e hoje estamos super felizes... Pena que ela
esteja tão longe agora...
Novamente
Douglas estava usando a fuga para tentar evitar o óbvio: sua esposa
nunca mais estaria com ele, ela estava morta. Kimberly sabia disso
muito bem, mas entrava no jogo do tio. A médica dera essa
recomendação a ela. Não adiantava nada ela ficar discutindo com o
tio sobre o que era verdade ou não, o melhor era entrar no jogo dele
e, quando ele estivesse melhor, aos poucos iria acabar aceitando a
realidade.
— É
verdade tio, mas quando as coisas melhorarem, com certeza ela
voltará.
Ele
dirigiu um sorriso esperançoso à sobrinha e disse:
—
Pois então, quando vai me apresentar seu namorado?
Kimberly
não pôde deixar de sorrir. Mal saíra uma noite com Martin e seu
tio já o chamava de namorado, provavelmente, ele nem sabia o nome do
“suposto” rapaz.
—
Tio, você não tem jeito mesmo... eu só saí com ele uma vez...
gosto dele, mas ele ainda não é meu namorado.
— Eu
sei, mas é assim que as coisas começam. Ora, — disse colocando as
mãos na cintura — como é que você acha que as coisas começam?
Kimberly
terminou de beber o chá e respondeu enquanto olhava para uma árvore
muito bonita que estava mais a frente deles:
— Eu
acho que as coisas começam como mágica... com um certo encanto.
Quando a gente coloca os olhos e então sente o coração bater mais
forte. É como se a gente já soubesse que aquela pessoa foi feita
pra gente...
Ele
passou as mãos pelos cabelos e disse enquanto balançava a cabeça:
— É
muito difícil acontecer alguma coisa parecida com isso... acho até
que é impossível. A gente só vê isso nos contos de fada, minha
sobrinha.
Essa
era a opinião de Douglas, mas Kimberly sabia que, em algum lugar,
isto era possível e não era somente um conto de fadas.
—
Você já está com vinte e cinco anos, já está na hora de
encontrar alguém legal para passear com você, para se divertir. É
um programa de índio ficar visitando seu tio de quinze em quinze
dias...
—
Essa é boa, quem disse que é um programa de índio vir até aqui
pra falar com você, quer parar com isso, tio? — Perguntou
fingindo-se zangada.
—
Está certo, não está mais aqui quem falou — disse abraçando-a.
Ficaram
por mais uma hora e meia conversando sobre banalidades quando a
enfermeira chegou.
—
Bem, senhor Longaray, já está na hora de entrar... — avisou com o
jeito calmo e paciente típico das enfermeiras.
Ele
olhou meio tristonho para a sobrinha e disse:
—
Bem, vou ficar esperando novidades daqui a quinze dias, então. Veja
se dá uma chance ao rapaz... — falou sorrindo enquanto acompanhava
a enfermeira.
— Tá
certo tio, irei pensar no que me disse — respondeu enquanto
começava a recolher e colocar as coisas de volta à cesta de
piquenique.
Estava
na hora de voltar para casa.
Até a próxima,
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